Mais uma tradução neste final de semana. Dessa vez, é o poema mais conhecido do grande poeta galês Dylan Thomas. É um dos mais populares em língua inglesa: apareceu no filme Interestellar de Cristopher Nolan, no manifesto político de um terrorista ultranacionalista norueguês, inspirou algumas pinturas de Ceri Richards, está na boca do Iggy Pop, no Independence Day, numa bela composição de Igor Stravinsky.
Ademais, seu autor foi a inspiração para que um jovem tímido e raquítico chamado Robert Zimmerman mudasse de nome para Bob Dylan, que é o troubadour mais importante da segunda metade do século XX. O provérbio é verdade, afinal: the name is the character.
O poema é um manifesto contra a morte, contra a perene impermanência de todas as coisas.
Algumas notas técnicas aos nerds de poesia: resolvi fazer a tradução em dodecassílabos alexandrinos, pois acredito que é o verso mais facilmente transponível do pentâmetro iâmbico inglês. Em algumas traduções que fiz dos sonetos de Shakespeare, preferi o decassílabo - como vai dar para notar quando eu postá-los aqui também - mas por razões um pouco diferentes. Explico quando for a hora.
A maioria das traduções que vi em português se preocupa pouco em manter qualquer esquema rítmico, mas a tradução tem que tentar passar, o máximo possível, a mesma sensação musical do poema original. Em português as palavras são geralmente mais extensas e o caráter iâmbico do ritmo do original muitas vezes teve de ser adaptado pelo trocaico e dactílico.
O original só tem duas rimas, e a maior dificuldade foi manter esse esquema. As duas rimas (no original -ight e ay) reforçam a idéia antifonal, a idéia de um call e response, um verso basicamente respondendo àsobjeções e condições do anterior (o poema todo é estruturado como uma oração adversativa: a vida é brutal e pode desanimar, mas continue lutando). Escolhi umas rimas meio raras (ansa e im), porque me parece que são parecidas, sob certo aspecto,com as do original (ight e ay) por terem sonoridades tão diferentes entre si, o que reforça ainda mais o caráter contrapontual do poema.
É isso. Essa era a parte chata. Agora vem a parte que gosto mais, a tradução. Depois, muito melhor, há o texto do poema original.
Não entres assim dócil nesta noite mansa (Dylan Thomas)
Não entres assim dócil nesta noite mansa,
que a velhice é queimar e delirar, no fim.
Luta, com ódio, contra este escuro que avança.
Mesmo que o escuro seja nossa última herança,
e que tua voz sábia esteja muda assim,
luta, com ódio, contra este escuro que avança.
Uns bons homens, num bom mar, numa última dança,
numa verde baía, tocando flautim,
não entram assim dóceis nesta noite mansa.
E os bárbaros, catando astros com uma lança,
subitamente sabem que a luz morre, enfim.
Mesmo assim, não vão dóceis nesta noite mansa.
Mesmo o homem moribundo e cego não se cansa:
com olhos de cometa alegre ele diz “sim,
luto, com ódio, contra este escuro que avança!”
É a vós, meu pai, que movo esta débil lembrança
onde rezas ou xingas, no Alto, até mim:
”Não entres assim dócil nesta noite mansa
Luta, com ódio, contra este escuro que avança.”
Texto Original:
Do not go gentle into that good night
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light